Uma série progressiva de fenómenos ajudava ao surgimento da doutrina espírita.
“O primeiro facto observado foi o da movimentação de objectos diversos. Designaram-no, vulgarmente, pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas”.
Tal fenómeno parece ter sido notado primeiramente na América do Norte, de forma intensa, e propagou-se pelos países da Europa, como a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Holanda e até a Turquia, nos meados do século XIX, tendo como marco, especialmente, o ano de 1848, com os fenómenos de Hydesville já estudados, envolvendo a família Fox. Todavia, a história regista que ele remonta à mais alta Antiguidade, tendo-se produzido de formas estranhas, como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva.
“A princípio quase só encontrou incrédulos, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade de experiências não mais permitiu que pusessem em dúvida a realidade”.
O fenómeno das pancadas, ou batidas, foi chamado “raps” ou “echoes”; o das mesas girantes, ou moventes, de “table-moving”, para os ingleses, “table-volante” ou “table-tournante”, para os franceses. No início, nos Estados Unidos da América, os espíritos só se comunicavam pelo processo trabalhoso, e de grande morosidade, de alguém dizer em voz alta o alfabeto e o espírito era convidado a indicar por “raps” ou “echoes”, no momento em que fossem pronunciadas as letras que, reunidas, deviam compor as palavras que queria dizer. Era a telegrafia espiritual.
“Os próprios espíritos indicaram, em fins de 1850, uma nova maneira de comunicação: bastava, simplesmente, que se colocassem ao redor de uma mesa, em cima da qual se poria as mãos. Levantando um dos pés, a mesa daria (enquanto se recitava o alfabeto) uma pancada toda a vez que fosse proferida a letra que servia ao espírito para formar as palavras. Esse processo, ainda que muito lento, produziu resultados excelentes, e assim se chegou às mesas girantes e falantes”.
“ Há que notar que a mesa não se limitava a levantar-se sobre um pé para responder às perguntas que se faziam; movia-se em todos os sentidos, girava sob os dedos dos experimentadores, às vezes elevava-se no ar, sem que se descobrissem as forças que a tinham suspenso”.
O fenómeno das mesas girantes propagou-se rapidamente, e durante muito tempo entreteve a curiosidade dos salões. Depois, aborreceram-se dele, pois a gente frívola, que apenas imita a moda, o considerou como simples distracção.
As pessoas criteriosas e observadoras, todavia, abandonaram as mesas girantes por terem “ visto nascer delas algo sério, destinado a prevalecer”, e “passaram a ocupar-se com as consequências a que o fenómeno dava lugar, bem mais importantes nos seus resultados. Deixaram o alfabeto pela ciência, tal o segredo desse aparente abandono” (...)
“As mesas girantes representarão sempre o ponto de partida da doutrina espírita” e merecem, por isso, alguma explicação, para que, conhecendo-se as causas, facilitada será a chave para a decifração dos efeitos mais complexos.
Para que o fenómeno se realize há necessidade da intervenção de uma ou mais pessoas dotadas de especial aptidão, designadas pelo nome de médiuns. (...)
Muitas vezes um poderoso médium produzirá sozinho mais do que vinte outros juntos. Basta colocar as mãos na mesa para que, no mesmo instante, ela se mova, erga , revire, dê saltos ou gire com violência.
A princípio, supôs-se que os efeitos poderiam explicar-se pela acção de uma corrente magnética, ou eléctrica, ou ainda pela de um fluído qualquer. (...) Outros factos, entretanto, demonstraram ser esta explicação insuficiente. Estes factos são as provas de inteligência que eles deram. Ora, como todo o efeito inteligente há-de, por força, derivar de uma causa inteligente, ficou evidenciado que, mesmo admitindo-se, em tais casos, a intervenção da electricidade, ou de qualquer outro fluido, outra causa a essa se achava associada. Qual era? Qual a inteligência”?
As observações e as pesquisas espíritas realizadas por Allan Kardec, e outros sábios, demonstraram que a causa inteligente era determinada pelos espíritos, que podiam agir sobre a matéria, utilizando o fluido fornecido pelos médiuns, isto é, meios ou intermediários entre os espíritos e os homens, gerando, assim, as manifestações físicas e as manifestações inteligentes.
Aperfeiçoaram-se os processos. As comunicações dos espíritos não se detiveram nas manifestações das mesas girantes. Evoluíram para as cestas e pranchetas, nas quais se adaptavam lápis, e as comunicações passaram a ser escritas – era a psicografia indirecta. Posteriormente, eliminaram-se os instrumentos e apêndices: o médium, tomando directamente o lápis, passou a escrever por um impulso involuntário e quase febril – era a psicografia directa.
ALLAN KARDEC - Um homem destinado a uma missão
O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail — Allan Kardec — interessou-se pelos fenómenos espíritas no ano de 1855, quando o sr. Carlotti, seu amigo há 25 anos, lhe falou, pela primeira vez, da intervenção dos espíritos, e conseguiu aumentar as suas dúvidas sobre tais fenómenos.
Inicialmente, o professor Rivail esteve a ponto de abandonar as investigações, porquanto não era positivamente um entusiasta das manifestações espíritas... quase deixou de frequentar as sessões, não o fazendo em atenção aos pedidos do sr. Carlotti, e de um grupo de intelectuais que, confiando na sua inteligência, competência e honestidade, delegaram-lhe a ingente tarefa de compilar, separar, comparar, condensar e coordenar as comunicações que os espíritos lhes ditaram. Assinala Kardec que foram as meninas Baudin (Julie e Caroline – 14 e 16 anos de idade) as médiuns que mais concorreram para esse trabalho, sendo quase todo o livro escrito por intermédio delas e na presença de selecta e numerosa assistência.
Foi, então, a casa da sonâmbula srª. Roger, em companhia do sr. Fortier, seu hipnotizador, e ali encontrou o sr. Pâtier e a srª. Plainemaison, que lhe falaram dos mesmos fenómenos referidos por Carlotti, mas em tom mais ponderado. O sr. Pâtier, funcionário público de meia-idade, muito instruído, de carácter sério, frio e calmo; de falar ajuizado, isento de qualquer arroubo, causou-lhe excelente impressão e, quando o convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da srª. Plainemaison, na Rua Grange-Batelière, n.º 18, em Paris, aceitou com sofreguidão. O encontro fora marcado para uma terça-feira de Maio de 1855, às oito horas da noite.
Já anteriormente, em 1854, o prof. Rivail ouviu “falar, pela primeira vez, das mesas girantes, pela boca do sr. Fortier, magnetizador, com o qual entrara em relações para os seus estudos sobre magnetismo”. O sr. Fortier um dia falou-lhe: “Eis uma coisa mais do que extraordinária — não somente magnetizam uma mesa, fazendo-a girar, mas também a fazem falar; perguntam coisas e a mesa responde”.
Allan Kardec replica: “Isto é outra questão: acreditarei quando puder ver com os meus próprios olhos e quando me provarem que a mesa tem um cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula: por enquanto, seja-me permitido dizer que tudo isso me parece um conto para fazer dormir em pé”.
Em “Obras Póstumas”, Kardec comenta:
“Era lógico este raciocínio: eu concebia o movimento por efeito de uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do fenómeno, afigurava-se-me absurdo atribuir-se inteligência a uma coisa puramente material. Achava-me na posição dos incrédulos actuais, que negam porque apenas vêem um facto que não compreendem”.
Foi na casa da sr.ª Plainemaison, naquela terça-feira de Maio de 1855 já citada, que Hippolyte Léon Denizard Rivail assistiu pela primeira vez aos fenómenos das mesas que “giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. (... Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenómenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo (...) Os médiuns eram as meninas Baudin (Julie e Caroline). (...) Aí, tive o ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes até a perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha”. São declarações do codificador. (3).
E continua ele, em “Obras Póstumas”: “Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenómenos, a chave do problema, tão obscuro e controvertido, do passado e do futuro da humanidade. A solução que eu procurava em toda a minha vida. (...) fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspecção, e não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir”.
Antes de dedicar-se ao estudo dos fenómenos espiritas, quem era Allan Kardec?
Ele “nasceu na cidade de Lyon, na França, a 3 de Outubro de 1804, recebendo o nome de Hippolyte Léon Denizard Rivail”.
“Os estudos de Kardec foram iniciados em Lyon, tendo-os completado em Yverdun, na Suíça, sob a direcção do célebre e inesquecível professor Pestalozzi”. (...) Teve uma sólida instrução, servida por uma robusta inteligência. Ele conhecia alemão, inglês, italiano, espanhol, holandês, sem falar na língua materna, e tinha grande cultura científica”.
O seu trabalho pedagógico é rico e extenso. Produziu, na França, uma dezena de obras sobre educação, no período de 1828 a 1849. Os seus livros foram adoptados pela Universidade de França. Traduzia para a língua alemã, que conhecia profundamente, diferentes obras de educação e moral e, dentre elas, “Telémaco”, de Fénelon.
Foi bacharel em Ciências e Letras. Membro de sociedades sábias da França, entre outras, da Real Academia de Ciências Naturais. Emérito educador, criou em Paris o Instituto Técnico, estabelecimento de ensino com base no método de Pestalozzi; foi professor no Liceu Polimático. Fundou, em sua casa, cursos gratuitos de química, física, anatomia comparada e astronomia, etc. Criou um método original, por processos mnemónicos, que levava o estudante a aprender e compreender as lições com facilidade e rapidez.
No ano de 1832 casou-se com Amélie Gabrielle Boudet, professora com diploma de I classe. A sua doce Gabi, como ele carinhosamente a chamava, ajudou-o intensamente, tanto nas suas actividades pedagógicas quanto no seu fecundo labor pela causa espírita.
Como homem, foi um homem de bem; caracter adamantino, as qualidades morais marcavam a sua personalidade; na vida, a coragem nunca lhe faltou; nunca desanimava; a calma foi um destaque de seu carácter; de temperamento jovial, de inteligência brilhante, marcada pela lógica e pelo bom senso; não fugia à discussão, quando a finalidade era esclarecer os assuntos.
“Allan Kardec foi o escolhido para tão elevada missão, como a de codificador, justamente pela nobreza de seus sentimentos e pela elevação do seu carácter, tudo aliado a uma sólida inteligência”.
“Ele sujeitava os seus sentimentos, os seus pensamentos, à reflexão. Tudo era submetido ao poder da lógica. (...) Nada passava sem o rigor do método, sem o crivo do raciocínio. Filósofo, benfeitor, idealista, dado às ideias sociais, possuía, ainda, um coração digno do seu carácter e do seu valor intelectual”.
«Conduzi-me, com os espíritos, como houvera feito com os homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados. Tais as disposições com que empreendi meus estudos, e nelas prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui.»
A partir do instante em que se dedicou ao estudo dos fenómenos de intervenção dos espíritos, no ano de 1855, na casa da srª. Plainemaison, até ao ano de 1869, quando desencarnou vitimado pelo rompimento de um aneurisma, num dia 31 de Março, trabalhou intensa e incansavelmente, tendo produzido o maior acervo da doutrina espírita.
Do seu trabalho gigantesco, relacionamos:
- O Livro dos Espíritos (1857)
- O Livro dos Médiuns (1861)
- O Evangelho Segundo o Espíritismo(1864)
- O Céu e o Inferno (1865)
- A Génese (1868)
Livros estes que constituem a base do espiritismo ou doutrina espírita.Kardec criou uma terminologia apropriada às coisas da nova doutrina. Entre outros, os vocábulos espírita, espiritista e espiritismo, que exprimiam, sem nenhum equívoco, as ideias relativas aos espíritos na orientação doutrinária espírita. Não confundir com espiritual, espiritualista e espiritualismo.
Produziu obras subsidiárias e complementares, de grande valor doutrinário, como “O que é o Espiritismo”, “Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita”, “Obras Póstumas”. Criou a "Revista Espírita", jornal de estudos psicológicos, periódico mensal que editou e preparou os originais de Janeiro de 1858 a Junho de 1869, e fundou, em Paris, a 1 de Abril de 1858, a primeira associação espírita regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Nestas rápidas anotações, não conseguimos dizer tudo a respeito do missionário da codificação espírita, senão registámos, apenas, aspectos gerais da sua magnífica personalidade. Sugerimos, entretanto, que os interessados consultem a bibliografia indicada, para melhor sentirem o valor extraordinário da sua vida e da sua obra.